sábado, 9 de julho de 2016

O romantismo por trás do uniforme


     Eu tenho em minha estante o primeiro livro da trilogia Os Sonâmbulos, de Hermann Broch. Ainda pretendo seguir com o diário de O Homem Sem Qualidades, de Robert Musil. Mas resolvi fazer antes um diário de leitura de Os Sonâmbulos, visto que a primeira vista me pareceram ser livros mais curtinhos e um tanto mais fáceis de ler, embora se enquadrem também no gênero romance ensaístico/filosófico assim como a obra-prima de Musil, e retratem ambos a sociedade alemã e austríaca antes das grandes guerras do século XX. Eu já havia lido de Broch A Morte de Virgílio, que em breve pretendo reler e comentar aqui no blog, e foi uma das experiências mais marcantes de toda a minha vida como leitor. Diante disso, não é difícil de se imaginar a tamanha expectativa que tenho com Os Sonâmbulos, já que muitos dizem ser a grande obra-prima de Broch (talvez por não terem lido A Morte de Virgílio, que outros tantos dizem ser sua obra-prima, talvez por nunca antes terem tido a oportunidade de ler Os Sonâmbulos, visto que essa obra só veio a ser publicada agora do século XXI aqui no Brasil, enquanto a outra está em nossas livrarias desde os anos 60). Pois bem, ambas as obras, a de Broch e a de Musil, se complementam, e encaro a leitura de ambos como o mesmo projeto intelectual. Ainda pretendo ler algum livro técnico a respeito.

     Já li 50 páginas do primeiro volume de Os Sonâmbulos, intitulado Pasenow ou o Romantismo. De que se trata essa trilogia? Da necessidade de se dissecar a mentalidade dessa sociedade que permitiu a degradação de todos os seus valores, e que eclodiu na irracionalidade que permitiu a ascensão do Nazismo nos anos vindouros (isso é uma leitura que temos a posteriori, historiográfica, visto que da ocasião da publicação de Os Sonâmbulos, em, 1931, ainda não ocorrera essa ascensão). E de que se trata esse romantismo do título do primeiro volume? Estou a descobrir.

     Nas páginas 26, 27 e 28 da edição brasileira lançada pela Editora Benvirá, desvendamos uma dessas primeiras concepções românticas: o romantismo do uniforme. Preocupante, diante da ascensão da mentalidade, em nossa época, do saudosismo da ditadura militar, não é verdade? Recomendo assistirem ao filme alemão de 2008 A Onda, de Dennis Gansel. Eduard von Bertrand é um personagem que critica avidamente a questão do uniforme, e é o ponto de vista dele que temos no trecho que selecionei a seguir.
             

segunda-feira, 27 de junho de 2016

Diário de leitura de "O Homem sem Qualidades", de Robert Musil - Introdução


Após a leitura de Vozes de Tchernóbil, estou pensando seriamente em reiniciar a leitura de O Homem sem Qualidades, de Robert Musil. Estou sentindo a necessidade de uma descoberta mais profunda de mim mesmo, e como não tenho condições, por enquanto, nem de tempo nem de dinheiro de me consultar com um psicanalista, pensei que uma aventura intelectual deste nível poderia ser uma boa pedida. Esses livros que expõem um panorama geral de uma determinada sociedade e seus conflitos são, pelas minhas experiências anteriores de leitura, muito enriquecedoras. Eu já havia lido as primeiras 300 páginas no fim do ano passado, mas larguei a leitura quando percebi que não a estava fazendo da maneira correta. Estava lendo nas pressas um livro que não é para ser lido nas pressas, ainda que, de qualquer forma, ele já estivesse me trazendo muitas inquietações subconscientes. Eu havia decidido que, quando o retomasse, iria fazer uma leitura reflexiva. Muitos dos pontos de vista, dos perfis de personalidade que eu imensamente me identifico, que refletem a mim mesmo, foram encontrados tanto em personagens absolutamente cativantes como em outros abomináveis e moralmente repreensíveis, e tudo isso me incomodou bastante, mas ao mesmo tempo, exerceu em mim um fascínio estranho. Imediatamente tive de fechar o calhamaço. Prosseguir numa leitura superficial seria um tempo mal gasto. Para uma autodescoberta, sinto que este é o livro ideal. Essa necessidade que sinto agora é bem curiosa, visto que o protagonista do livro tem esse mesmo intuito. Como se dá o desenvolvimento do autoconhecimento numa sociedade tecnocrata? Qual o destino daqueles que se propõem a pensar livremente numa era em que as profissões se encontram institucionalizadas no âmbito do estado e das empresas públicas e privadas? Pois bem, a partir de agora, inicio esse projeto de tempo indeterminado, e convido quem porventura vier a ler esse blog a me acompanhar nessa empreitada.



domingo, 26 de junho de 2016

Presente do dia dos namorados ou sobre escutar o que os outros têm a dizer sem condescendência para vozes extremistas

12 de junho de 2016. No dia dos namorados, ganhei uma caixinha vermelha repleta de bombons trufados (guloso que sou, comi todos naquele mesmo dia) e de tiras de papel maché coloridas como adorno, por baixo das quais havia um pacote embrulhado. Logo reconheci o formato de um livro, e pelo peso e tamanho, tentei adivinhar qual o titulo, sem lograr sucesso. Não lembro exatamente qual o livro que imaginei que fosse (acho que Nada a Invejar, sobre a realidade da vida na Coréia do Norte, o país mais fechado do mundo, que eu quero muito ler). Quando rasguei o pacote, vi o livro Vozes de Tchernóbil – A História Oral do Desastre Nuclear. No mesmo dia comecei a ler e terminei suas cerca de 380 páginas exatamente em duas semanas, ou seja, hoje, 26 de junho de 2016. Trata-se de uma série de relatos compilados por Svetlana Aleksiévitch, autora desse e de outros livros de relatos que cursam acerca de aspectos diversos da realidade e da sociedade soviética do século XX e XXI, que lhe renderam o Prêmio Nobel de Literatura de 2015. Em seu discurso após receber o prêmio, ela falou: “Flaubert disse de si mesmo que era um ‘homem pena’. Posso dizer que sou uma ‘mulher ouvido’”. E é isso mesmo. Após lê-lo, recebi o convite de aprimorar a capacidade de escutar e de calar nos momentos corretos, de ouvir o que as outras pessoas têm a dizer sem julgamentos, sem reservas, a necessidade de desenvolver o respeito pela diversidade de vozes e opiniões sem ser condescendente com opiniões extremistas. O termo “coro de vozes”, a técnica que ela utiliza em sua escrita, é um conceito lindo que abarca toda a diversidade de melodias existentes numa só partitura. O discurso de Chimamanda Ngozi Adichie no TED sobre a necessidade da multiplicidade de vozes para se quebrar os malefícios provocados pela formação e sedimentação de estereótipos nunca fez tanto sentido para mim quanto quando da experiência de ler este livro. Um belo presente de dia dos namorados, não? As reflexões que esta obra-prima me proporcionou compartilharei aos poucos em textos futuros.